Sobre mágoa e saudade.

(Mágoa, análise psicológica)





Se pensarmos em nossas experiências passadas descobriremos duas formas de lidar com o acúmulo de energia afetiva: uma é o inconformismo ou sentimento de revolta perante o que não obtemos ou ainda sobre algo que perdemos; a outra é a convicção interna de que nosso potencial não foi violado, embora tenhamos passado por experiências traumatizantes; e que tal potencial continua presente para ser dividido com alguém que sentimos ser especial para nosso ser. Inteligência neste mundo é a certeza da permanência de algo a despeito de toda frustração que vivenciamos, sendo que a maturidade é a troca da ingenuidade pela certeza de que podemos recomeçar sempre, abafando nosso rancor pessoal. O que é importante descobrirmos é se as outras pessoas de nosso convívio realmente nos amam ou apenas precisam de nós, pois ao tomarmos ciência dessa verdade, estaremos nos conscientizando sobre o quanto de poder ou amor depositamos em alguém. A saudade é a prova de que o ódio ou raiva são apenas defesas circunstanciais ou passionais perante nossas infelicidades, pois a mesma acaba quase sempre se sobrepondo a todas as dores vividas. A saudade é a certeza máxima de que quase sempre não temos controle e somos literalmente tragados pelas emoções, embora não as desejemos mais. Um dos aspectos positivos desta descoberta é que não aceitamos a morte de nosso afeto; isto é fundamental sabermos, embora devamos escolher outra forma ou pessoa para vivenciar ditas experiências. O mais importante é a sobrevivência de algo genuíno que tentamos viver. A mágoa se desvanece quando aceitamos que determinada pessoa nos doou por algum tempo algo bom, mas não foi capaz de dar continuidade aos nossos anseios Enxergar desta forma é praticamente nossa única chance de não cairmos no cultivo ao ódio e mágoa, e também percebermos a lição de constantes perdas que a vida nos impõe. 



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Todos de certa forma sabem que uma determinada pessoa é incapaz de preencher as expectativas de uma outra na sua totalidade, sendo que a mágoa por esta ótica é a raiva ou acúmulo de frustração não porque a pessoa necessariamente falhou, mas, por nos sentirmos "dependentes", seja de uma pessoa ou imagem. É fundamental um tempo para que a pessoa possa trabalhar com tais lembranças dolorosas, sendo esta uma das funções primordiais da psicoterapia. "Poderia dar certo; estou com saudades; me sinto subtraído sem a sua presença por mais dolorosa que fosse". Estas são as mensagens subliminares da mágoa que constantemente vem acompanhada ou revestida de saudade. É fato que esta última, apesar de tudo, é vital para a vida de um ser humano, pois nos aponta um caminho ou determinada história de experiência gratificante. A saudade revela sua companheira, a angústia, que nada mais é do que um sentimento pleno de impotência pessoal para recomeçar algo. A angústia é exatamente o terrível choque inicial que nos diz que não temos nenhuma chance ou saída. É a experiência subjetiva que mais se aproxima da morte. A própria paranóia caminha em paralelo, pois constantemente nos guia para a sensação de catástrofe, roubando por completo nosso tempo pessoal. 


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Fala-se muito na importância do desapego para minorar o sofrimento da mente. Acontece que o mesmo advém não de uma forma excêntrica de isolamento ou meditação, mas, quando conseguimos lidar com a bagagem do sofrimento e também ajudar para que outros trilhem uma estrada com menos angústia e tormento pessoal, apesar dos constantes erros no decorrer de tal tarefa. O desapego só tem um sinônimo chamado: "divisão". A mágoa também ocorre quando não há um apontamento ou reconhecimento de um esforço consciente ou inconsciente em benefício do outro; esta é uma das melhores pistas acerca de quem realmente nutre uma afeição especial por nossa pessoa. Percebam que em nossos tempos não é difícil o teste sobre quem realmente se encontra disponível; o grande problema passa a ser a imensa carga de carência ou fantasia que depositamos na outra pessoa, cegando por completo nossa percepção. A perda da ingenuidade se dá exatamente neste ponto, quando sentimos que nossas fantasias não têm mais o poder de entorpecer nossa mente, sendo que não gostamos de tal sensação ou perda de uma ilusão. Com toda a certeza a saudade jamais terá o poder de recuperar a potência das fantasias pretéritas. Mas o leitor irá indagar como evitar todo o exposto acima, já que parece que um dos maiores vícios do ser humano é exatamente o brincar ou manipular sentimentos alheios. Parece que a única coisa que nos resta da decepção é a análise do caráter de alguém. Entretanto, gostaria de ressaltar que a energia para qualquer recomeço é oriunda do mais profundo poço de pensamentos e frustrações que herdamos dos relacionamentos. A saída é não ter medo na mais profunda acepção da palavra, acerca dos piores pensamentos ou sensações que possam invadir nossas mentes. Qualquer combate contra a depressão ou negatividade passa necessariamente pela aceitação de que ambas já fazem parte de nosso cotidiano. 


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A grande contradição deste texto é que após todas estas dissertações, o leitor sentirá que suas lembranças nunca foram tão ativadas. Seja amor, apego, ciúmes, inveja ou ódio, temos de admitir que determinado conteúdo afetivo jamais se esvaece; sendo que nosso sonho é o controle ou desligamento perante algo em que não fomos prontamente atendidos. Nosso lado infantilizado da exigência da satisfação de necessidades individuais através de outra pessoa, jamais deixará de ser o espectro de nossa alma. Nosso dilema existencial passa pela tentativa do esquecimento de frustrações, que nada mais são do que o ódio internalizado por sentirmos que não podemos ocupar um lugar de poder no universo alheio. A experiência do abandono sempre será uma das maiores torturas psicológicas que determinado ser humano tenta não vivenciar, sendo que a saudade é o mecanismo de defesa automático para compensar tal drama. 


Texto de: 
Antonio Carlos Alves de Araujo - Psicólogo - C.R.P: 31341/5 


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