O ninho

Não aguento mais o verão, menos ainda o "horário de verão".
Foto: Meu ninho.

Da primeira vez que reparei
ainda era bem menino numa cidadezinha
do interior... e se hoje pouco sei das coisas da vida,
naquele tempo sabia menos ainda...
mas já desconfiava das informações que recebia
dos adultos, dos professores, do padre, enfim de toda
gente grande que circundava minha vida
naquele pedacinho de mundo.

Era inverno...
E no caminho, no meio de outras árvores,
vi aquele Ipê-Roxo esplendorosamente florido...
Suas cores tinham uma beleza e um encanto que
até hoje me emocionam... ainda que tenham passado
tantos e tantos anos e tendo visto centenas de
outros Ipês igualmente floridos noutros invernos...

E com aquela ingenuidade que caracteriza a infância,
questionei um dos ensinamentos dos professores da escola:
a de que a Primavera era a mais linda das estações,
a época  das flores... e cuidadosamente passei a
observar que o inverno possuía a florada que mais me encantava:
do Ipê-Roxo, da Suinã, do Bico–de-Papagaio, da Azaléia,
do Girassol, da Copaíba e das Margaridas...

Eu era um menino para questionar verbal
e frontalmente os ensinamentos dos professores...
E então apenas guardava comigo tais dúvidas... e me
perguntava: como era possível a Primavera ser a estação
das flores se as flores que mais me encantavam estavam
no inverno?! E como era possível, ainda, a Primavera ser
a mais linda das estações se eram as manhãs de Inverno
que tinham o azul mais celestial que se pode sonhar?!
Ou, ainda, que era no Inverno que as noites eram mais
estreladas e encantadoras... também foi na infância
que aprendi a identificar a Constelação de Escorpião
no céu anunciando o tempo precioso do Inverno e
de toda a sua beleza...

A vida é uma magia nos seus mistérios
e nos seus desvelamentos com a natureza...
No entanto, esquecemos de olhar para as flores,
para a harmonia que existe na natureza...
Não mais sabemos que a florada do Inverno
obedece ao compasso da Sexta Lua do ano...
e que igualmente é a parti do luamento
que toda a vida se transforma na Natureza...

Perdemos nosso referencial com as coisas
da Natureza e com a ilusão de que criamos e
concebemos nosso próprio hábitat... destruímos a flora
e a fauna em nome de circunstâncias denominadas de progresso,
tecnologia e desenvolvimento...    

A importância das flores na vida humana
é algo que perde totalmente o sentido diante
das razões como virtualidade trazida pela internet...
As flores estão cada vez mais distantes da vida contemporânea...
da realidade virtual... do contato impessoal... da realidade
informatizada... globalizada...

"Estamos no Inverno"...
mais um Inverno com a florada do Bico-de-Papagaio,
o esplendor do Ipê-Roxo, da Suinã,
a exuberância das flores da Copaíba e o
surgimento da Constelação de Escorpião
no céu estrelado das noites frias e azuladas...

A Primavera é igualmente muito bonita...
e também possui flores indescritivelmente lindas:
as flores do Ipê-Amarelo, Ipê-Branco, do Jacarandá Mimoso,
das Tipuanas, das Sibipirunas e de tantas flores campestres...
mas suas flores não têm o esplendor da florada do Inverno...

O Inverno traz um quê de magia e fascínio
que não se compara com nada na Natureza...
É o tempo de recolhimento consigo mesmo
na introspecção do próprio sentido de vida...
uma oração pela dádiva da vida... um ode de luz no caminho...
O charme de Inverno é fascinante...
e tem  resquícios de uma fragrância que se dilui
no espírito e faz da própria vida
uma dádiva da Natureza... 

Serra da Cantareira, numa manhã de Inverno.

Autor: Valdemar Augusto Angerami – Camon



Obs: Essa poesia está publicada no livro “Psicologia da Saúde. Um Novo Significado para a Prática Clínica” da Editora Pioneira Thomson Learning.




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