Oi mãe,
Sei que vc não poderá ler essa carta, mas mesmo assim escrever me fará bem, passei o último feriado na casa do meu pai, lá o ambiente é propício para reacender as lembranças da minha infância, o meu primeiro quarto, de onde muitas vezes gritei por você durante a noite, e logo você estava lá para saber “qual era o problema”; acho que a primeira lembrança de paisagem que tenho na minha mente é a da varanda daquela casa, da varanda onde eu ficava sentada todos os dias enquanto vc fazia cachinhos no meu cabelo com o lápis e eu saia como diz Paty, “parecendo um bibelô”.
Eu me lembro das diversas vezes que você ou meu pai se levantavam durante a noite para me cobrir, pois o edredon sempre estava fora do lugar, naquela época eu não tinha consciência que haviam tantas crianças que eram maltratadas pelos pais, que não tinham o que vestir e sequer o que comer, eu tive uma infância tão feliz...
Eu não sei se você se lembraria disso, mas eu me lembro de uma noite que eu estava sentindo muita dor e que ela só melhorava quando a sua mão pesava sobre o local e você passou a noite em claro para que eu pudesse dormir.
Quando você ficou doente e eu não pude mais contar com seu apoio pq naquele momento quem precisava era você, e eu não consigo deixar de me sentir culpada por você não ter tido o meu auxílio como deveria, eu sei que tinha apenas 13 anos e não podia fazer muita coisa e apesar de me lembrar do quanto também fiquei perdida naquela época, não consigo deixar de me culpar.
Você ficou 2 anos internada e eu me esquivava de ir na cidade onde você estava pq eu sentia a dor me cortar quando eu te olhava; eu acho que nunca vou conseguir me esquecer da última vez que te vi e do ferimento que doía no seu dedo sem parar e que não consegui segurar o choro na sua frente...
Você não conseguia mais sequer ficar de pé e estava preocupada se eu estava indo para a escola todos os dias, os médicos faziam testes todas as manhãs para saber como estava a sua “memória” e mesmo às vezes sem conseguir responder onde você estava, vc se lembrava da minha escola.
10 anos se passaram desde que você se foi, fez tanta falta, quis gritar por você tantas vezes como fazia quando era pequena, mas sabia que não mais poderia me ouvir.
Sei que diversas coisas você não teve tempo de me ensinar, sobre muitas coisas tive que aprender sozinha, tento não te decepcionar.